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Textos que expõem a fragilidade e indecência humanas de forma irônica, metafórica e sem embelezamentos.

domingo, 29 de maio de 2016

POESIA PÓSTUMA II

Perdoem-me o silêncio.
Não o silêncio de agora,
Já que agora não posso ser mais que o silêncio.
Eu peço perdão pelo silêncio de outrora,
Aquele mais estrondoso que o choro à minha volta.
Eu sei que não dei atenção.
A tensão que me foi dada trancou minha boca,
Calou minha voz, emudeci.
Não pude dizer que não era feliz.
Infeliz também não fui, mas amargurado.
Perdoem-me a ausência em meu lar
Quando em meu lar eu estava presente.
Talvez fui mais ausente do lar em mim mesmo.
Eis que o silêncio era o caminho da permanência.
Eu quis permanecer em mim.
Falhei ao notar que eu não me aturava.
E permanecer incômodo é ausentar-se de tudo.
Mas eu tentei.
Quem tentou entender meu silêncio?
Antes julgaram. Tenho defeitos fáceis.
Porém, os dedos antes em riste,
Aqueles que me flechavam qual penitência,
Hoje secam lágrimas vãs.
É vão penar por quem não vive.
É vão viver dos mesmos erros.
E já não vivo para ver mudanças.
Talvez esperei mais mudanças do que era possível,
Quem sabe esperavam de mim mais do que eu fui
Ou ainda tenham me enxergado maior do que eu era,
Quiçá mais inútil do que eu me sentia
Ou menos imprestável do que eu me enxerguei.
O fato é que todo fato se enterra
E toda dúvida que surgir já surgirá morta,
Morta e enterrada comigo.  Nada vive.
Nada além de tudo que não vivi,
Nada além do que nunca tive.
E aquilo que um dia tive não vem comigo,
Vive à parte. E eu parto.
Parti.


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