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sexta-feira, 22 de julho de 2016

A CRIAÇÃO DO SAGRADO, PRIMEIRO ENSAIO

I

Toda vontade que tenho é de mim mesmo.
Não existe outra vontade que não seja de mim.
Não há no mundo outra vontade que não seja essa:
A vontade de si próprio, do encontro consigo.
Toda paixão que nos aflora é por nós mesmos,
Pois nas semelhanças com o próximo
Findamos por lhes exaltar nossas virtudes,
E as virtudes que nos faltam,
Essas virtudes abundantes no alheio,
Queremos tomá-las e fazê-las nossas.
É a criação do sagrado, dos deuses e deusas,
Dos altares, dos preitos, das sentenças.
Porém o andor tem nossos próprios pés.
A complementaridade é placebo:
Procuramos para nós o que está no outro,
Pois toda vontade que temos é de nós mesmos.


II

Tudo que nos é caro é nosso,
Tudo que adoramos nos agrada,
Tudo que nos agrada é como nós,
Porque queremos a nós mesmos.
Quando me odeio, não me tenho.
Quando me odeio, estou longe de mim.
Quando me odeio, adoro aquilo que me reafirma,
Adoro as cores que lembram a mim,
Adoro os sabores que lembram a mim,
Adoro as pessoas que lembram a mim.
Eu me anulo.
Eu me anulo para adorar no alheio o que possuo,
Mas não enxergo.
Toda vontade que tenho é de mim mesmo.


III

Toda frustração vem da distância,
Da distância entre o querer e o possuir,
Pois quando nos atiça o alheio,
Distanciamo-nos de nós,
Distanciamo-nos buscando no outro o que já temos
Ou o que queremos cultivar em nós.
Mas regar jardins vizinhos não floresce teu quintal.
Toda vontade que tens é de ti mesmo.

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