Respeite a arte! Ao reproduzir em outros lugares a obra de algum artista, cite o autor. Todas as poesias aqui presentes foram escritas por Mao Punk.

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Textos que expõem a fragilidade e indecência humanas de forma irônica, metafórica e sem embelezamentos.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

SONETO DO REGAR

Um fado me sustenta desde cedo.
Ao projetar os meus primeiros passos
Lancei-me à minha vida de embaraços,
Tracei as ilusões de meu enredo.

E quanto mais fugir tentei penando,
Nas duras penas mais me embaraçava,
Das amarguras não me desgarrava,
Em desventuras fui me transformando.

Tal é a força que mantém o fato
Que hoje a amargura é meu retrato
E ao olhar o quadro não me espanto.

Eu sigo calmo o rumo, conformado.
Registro em cada verso este ditado:
Não há poeta algum se não há pranto.

SONETO FANTASIOSO

O tempo só preserva o que é preciso.
Somente o indispensável permanece.
Às mãos do próprio tempo se floresce
Aquilo que merece ser vivido.

Dos tempos já passados, hoje idos,
Das belas coisas que a vida oferece,
Existe algo em mim que não padece:
O teu carinho que se faz sentido.

E deixo o meu carinho oferecido
Com todo empenho que for permitido
A quem, por seu amor, tanto o merece!

A ti todo o carinho é concedido.
Que possa ser intenso e incontido
Como este sentimento que só cresce.

domingo, 20 de agosto de 2017

DESCONHECIDA

Da vida nada sei.
Sei da tarde que se ia,
Da chuva que caía,
Da noite que chegava.

Da vida nada sei.
Sei da calma que havia,
Do riso que se ria,
Do nada que esperava.

Da vida nada sei.
Sei de gente que partia,
Do dia que seguia,
Mas nunca imaginava

Que a vida que não sei
– E nunca saberia! –,
Em meio ao que havia,
Um beijo anunciava.


sexta-feira, 2 de junho de 2017

REVERSANDO

Por não poder arriscar
Perder a única poesia do dia,
Eu te olhei.
Eu te olhei sem esperanças,
Sem a pretensão das possibilidades,
Eu te olhei como quem escreve sobre si.
Eu te olhei como quem escreve uma poesia.
E no seu olhar, que sutilmente me avistou,
No seu olhar, que discretamente retribuiu,
Não sei se por licença poética da minha mente,
Encontrei a mim mesmo trajando versos.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

CENÁRIO URBANO

Olhar lançado,
Despreocupado
Se atinge a meta.

Do outro lado,
O olhar foi dado
Como uma seta

Rumo a seu alvo.
Do entreolhar
Fez-se um encontro.

Ela me acena.
Mas – uma pena! –
Desci no ponto.


domingo, 5 de março de 2017

POESIA PÓSTUMA IV

Meus últimos dias nem sequer senti.
Não sei ao menos dizer quando começaram.
O fim já se anunciava, sim.
Mas como saber que era o fim?
Era a minha primeira viagem.
Somos todos viajantes de primeira e única viagem!
Mas eu não sei quando foi que embarquei.
Dias antes perdi o gosto na vida,
Talvez meses ou anos antes.
Na verdade, não me lembro quando tive gosto na vida.
Talvez uma ou duas vezes. Desvios.
Talvez fossem apenas a preparação para a morte.
Dizem que antes da morte há o bem-estar.
Mas faz tanto tempo que talvez eu nem tenha percebido
Que morri bem antes, muito antes, do que penso.

Como a vida pode doer em quem já não vive?
A morte não é descanso, é lamento.
A morte é a poesia que se escreve sem rumo,
É literatura de merda para as moscas.
Sinto que sou a única mosca em minha própria poesia.
A morte é também essa mosca insossa.
A morte é esse retrato estúpido e apagado:
A mosca, a merda, o verso que exala,
A sujeira fétida que repele, o nojo,
A ânsia de vômito pelo que já está feito.
A morte! Simplesmente a morte.
E aqui estou eu, figurando o retrato.
Talvez seja este meu retrato mais expressivo.

Eu parti. Não sei dizer quando aconteceu.
Nem posso dizer que foi de repente.
A morte nos ronda dia após dia.
Eu não sei quantas vezes já morri antes,
Mas sei que meus enterros foram silenciosos.
Sem visitas, sem lágrimas, sem vestígios.
Ninguém percebeu.
Quem dera se toda morte fosse despercebida!
Vi a morte de tantas coisas...
E fui eu o próprio coveiro. E doeu.
Talvez por isso eu tenha morrido,
Por ser a tumba das coisas importantes,
Por ser o colecionador de mortes,
Por carregar a morte dentro de mim.
Mas qual é o vivo que não carrega?

Na minha condição, eu sigo.
Já não há espaço para esperanças,
Nem sequer para muitas reclamações.
Tudo está em seu devido lugar:
As ruas, as pessoas, os carros,
Os cachorros, os gatos, os insetos,
As ilusões, as paixões, os amores,
As desesperanças, as decepções,
As poucas árvores, as praças,
As virtudes, os defeitos, as dúvidas,
Os vivos, os que pensam que vivem
E eu.
Era uma vez um reino de mortes.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A paz é a desgraça do poeta.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

A PAIXÃO NÃO DECLARADA

Ressoa em mim um gélido suspiro
Ao tempo em que meu coração se abrasa,
Como se a tua figura desse asa
A quem só poderá cair ferido.

E ecoa o canto teu em meu ouvido,
Como se o ouvido meu fosse morada
À tua cantoria emocionada,
E eu pela emoção assim me guio.

Só de lembrar me sobe um arrepio,
Um riso, um lamento, um desvario,
Uma vontade louca irrefreada

De admitir que o peito te sorriu
Desde o primeiro instante em que te viu...
Mas eis uma paixão não declarada!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

AO PEDIDO DE LALI

Quis a vida que você surgisse,
Quis a vida que eu fosse poeta,
Quis a vida me trazer a meta
De versar algo que te servisse.

Porém, como se algo me fugisse,
Como se perdesse do alvo a seta,
Todo verso escrito em linha reta
É como se ao punho decaísse,

Pois talvez tenha sido tolice
Tentar um poema que cumprisse
Te servir da forma mais correta:

O poema em si até existe,
Mas a arte nele não persiste
Se tua atenção não o completa.

domingo, 15 de janeiro de 2017

RECADO A UM MERITOCRATA

“Cidadão de bem” anda revoltado
Com a violência dessa sociedade.
Por essa crescente criminalidade
Anda se sentindo aterrorizado.

Pois que seja dado então este recado:
Por achar que é dono de toda a verdade
E por desprezar nossa realidade,
Queremos te ver bem mais ameaçado!

Somos atacados por sua covardia,
A tão conhecida “meritocracia”,
Coisa que não passa de discurso feito

Para desprezar com ódio as minorias.
Pois então que seja o mérito do dia
Te fazer sofrer pelo teu preconceito!


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

POEMA FEITO DE PEDRA

Carlos me avisou:
O mundo não vale a pena
E sequer vale o próprio mundo.
Eu é que me descuido.
Eu é que ainda penso
Que qualquer coisa que faço
Vale-me o passo que é dado,
Vale-me os passos falsos.
Valha-me, céus! Nada disso!
Eu apenas ando e tropeço.
E invento causas às coisas,
Como todos nós.

Eu sou como quem me fere.
Eu me firo como a outrem.
Eu sou humano.
Para minha infelicidade
Não nasci pedra.
Quisera eu ser pedra!
Ser a pedra desinteressada,
A pedra dura,
A pedra alheia, calma,
A pedra indiferente,
A pedra não notável.

Pedras não concluem poemas.